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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Vigiar e Punir!


Michel Foucault


Na França, como na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo o processo criminal, até à sentença, permanecia secreto: ou seja, opaco não só para o público, mas para o próprio acusado. O processo se desenvolvia sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. “Na ordem da justiça criminal, o saber era privilégio absoluto da acusação.” O mais “diligente e o mais secretamente que se puder fazer”, dizia, a respeito da instrução, o edito de 1498. De acordo com a ordenação de 1670, que resumia, e em alguns pontos reforçava a severidade da época precedente, era impossível ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível conhecer a identidade dos denunciadores, impossível saber o sentido dos depoimentos antes de recusar as testemunhas, impossível fazer valer, até os últimos momentos do processo, os fatos justificativos, impossível ter um advogado de defesa, seja para verificar a regularidade do processo, seja para participar da defesa. Por seu lado, o magistrado tinha o direito de receber denúncias anônimas, de esconder ao acusado a natureza da causa, de interrogá-lo de maneira capciosa, de usar de insinuações. Ele constituía sozinho e com pleno poder, uma verdade com a qual investia o acusado; e essa verdade, os juízes a recebiam pronta, sob forma de peças e de relatórios escritos; para eles, esses documentos sozinhos comprovavam; só encontravam o acusado uma vez para interrogá-lo antes de dar a sentença. A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo. Jean-Marc Ayrault supunha que esse procedimento (já estabelecido no que tange ao essencial no século XVI) tinha por origem o medo dos tumultos, das gritarias e aclamações que o povo normalmente faz o medo de que houvesse desordem, violência e impetuosidade contra as partes, talvez até mesmo contra os juízes; o rei queria mostrar com isso que a “força soberana” de que se origina o direito de punir não pode em caso algum pertencer à “multidão”.
            Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem se calar.